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Sebastião da Gama
 

Poemas


Viesses tu, Poesia Poesia depois da chuva A uma rapariga Largo do Espírito Santo 2, 2º O Sonho Inscrição Relatório 2 Sem título Madrigal

Sem título 2 ABC Cantilena Soneto de António O Menino Grande Pequeno Poema Florbela Poema da minha Esperança Nasci pra ser...

O sol já se escondeu

Do programa "À ESQUINA DO MUNDO", RDP, António Cardoso Pinto seleccionou e leu alguns poemas de Sebastião da Gama, do livro Pelo Sonho é que Vamos:

U “Poesia depois da chuva” / “Viesses tu, Poesia” / “Imagem” / “O Sonho” / “Madrigal a uma estrela”



O Vento enchia o Mundo. Mal deixava
lugar para a tremenda voz das ondas.

Mas era o Mar apenas que se ouvia.

 





Viesses tu, Poesia

Viesses tu, Poesia
e o mais estava certo.
Viesses no deserto,
viesses na tristeza,
viesses com a Morte...

Que alegria mereço, ou que pomar,
se os não justificar,
Poesia,
a tua vara mágica?

Bem sei: antes de ti foi a Mulher,
foi a Flor, foi o Fruto, foi a Água...
Mas tu é que disseste e os apontaste:
- Eis a Mulher, a Água, a Flor, o Fruto.
E logo froam graça, aparição, presença,
sinal...

(Sem ti, sem ti que fora
das rosas?
Mortas, mortas pra sempre na primeira,
mortas à primeira hora.)

Ó Poesia!, viesses
na hora desolada
e regressara tudo
à graça do princípio...

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Poesia depois da chuva

Depois da chuva o Sol - a raça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco - cai fresquinha no casario da praça.
Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!... Pura imagem da tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...

(Fluida a luz, num fluir imperceptível quase...)
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A uma rapariga

Somos assim aos dezassete.
Sabemos lá que a Vida é ruim!
A tudo amamos, tudo cremos.
Aos dezassete eu fui assim.

Depois, Acilda, os livros dizem,
dizem os velhos, dizem todos:
"A Vida é triste. a Vida leva,
a um e um, todos os sonhos."

Deixá-los lá falar os velhos,
deixá-los lá... A Vida é ruim?
Aos vinte e seis eu amo, eu creio.
Aos vinte e seis eu sou assim.

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Largo do Espírito Santo, 2, 2º

Nem mais, nem menos: tudo tal e qual
o sonho desmedido que mantinhas.
Só não sonharas estas andorinhas
que temos no beiral.

E moramos num largo... E o nome lindo
que o nosso largo tem!
Com isto não contáramos também.
(Éramos dois sonhando e exigindo.)

Da nossa casa o Alentejo é verde.
É atirar os olhos: São searas,
são olivais, são hortas... E pensaras
que haviam nossos olhos de ter sede!

E o pão da nossa mesa!... E o pucarinho
que nos dá de beber!... E os mil desenhos
da nossa loiça: flores, peixes castanhos,
dois pássaros cantando sobre um ninho...

E o nosso quarto? Agora podes dar-me
teu corpo sem receio ou amargura.
Olha como a Senhora da moldura
sorri à nossa alma e à nossa carne.

Em tudo, ó Companheira,
a nossa casa é bem a nossa casa.
Até nas flores. Até no azinho em brasa
que geme na lareira.

Deus quis. E nós ao sonho erguemos muros,
rasguei janelas e tu bordaste
as cortinas. Depois, ó flor na haste,
foi colher-te e ficarmos ambos puros.

Puros, Amor - e à espera.
E serenos. Também a nossa casa.
(Há-de bater-lhe à porta com a asa
um anjo de sangue e carne verdadeira.)

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O Sonho

Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.

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Inscrição

Nada sabe do Mar

quem não morreu no Mar.

Calem-se os poetas

e digam só metade

os que andam sobre as ondas

suspensos por um fio.

 

Sabe tudo do Mar

quem no Mar perdeu tudo.

Mas dorme lá no fundo,

tem os lábios selados,

e os olhos, reflectem

e claramente explicam

os mistérios do Mar,

para sempre fechados.

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Relatório 2.

Ó glória de saber que o Mar termina

onde a minha coragem se acabar,

a ti dou quanto é meu!

Glória de por meus nervos garantir

o direito de escarnecer da Morte

quando a Morte julgar que me venceu!

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Sem Título

Nasci p'ra ser ignorante

Mas os parentes teimaram

(e dali não arrancaram)

em fazer de mim estudante.

 

Que remédio? Obedeci.

Há já três lustros que estudo.

Aprender, aprendi tudo,

mas tudo desaprendi.

 

Perdi o nome às Estrelas,

aos nossos rios e aos de fora.

Confundo fauna com flora.

Atrapalham-me as parcelas.

 

Mas passo dias inteiros

a ver um rio passar.

Com aves e ondas do Mar

tenho amores verdadeiros.

 

Rebrilha sempre uma Estrela

por sobre o meu parapeito;

pois não sou eu que me deito

sem ter falado com ela.

 

Conheço mais de mil flores.

Elas conhecem-me a mim.

Só não sei como em latim

as crismaram os doutores.

 

No entanto sou promovido,

mal haja lugar aberto,

a mestre: julgam-me esperto,

inteligente e sabido.

 

O pior é se um director

espreita p'la fechadura:

lá se vai licenciatura

se ouve as lições do doutor.

 

Lá se vai o ordenado

de tuta e meia por mês,

Lá fico eu de uma vez

um Poeta desempregado.

 

Se me não lograr o fado,

porém, com tais directores,

e de rios, aves e flores

somente for vigiado.

 

Enquanto as aulas correrem

não sentirei calafrios,

que flores, aves e rios

ignorante é que me querem.

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Madrigal

A minha história é simples.

A tua, meu Amor,

é bem mais simples ainda:

 

"Era uma vez uma flor.

Nasceu à beira de um Poeta..."

 

Vês como é simples e linda?

 

(O resto conto depois;

mas tão a sós, tão de manso

que só escutemos os dois).

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Sem Título 2.

Da minha janela

vê-se a Poesia.

 

Não te digo, não,

se é bonita ou feia,

se é azul ou branca,

nem que formas tem.

 

Queres conhecê-la?

Deixa o teu bordado,

vem para o meu lado,

que já podes vê-la

com teus próprios olhos.

 

Da minha janela

vê-se a Poesia...

 

Outro que te diga

se é bonita ou feia.

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A B C

"Quantas horas perdi

foi por ti

que as perdi."

 

Vai o meu coração

repetiu a lição:

 

- "Quantas horas perdi

foi por ti

que as ganhei..."

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Cantilena

Cortaram as asas

ao rouxinol

Rouxinol sem asas

não pode voar.

 

Quebraram-te o bico,

rouxinol!

Rouxinol sem bico

não pode cantar.

 

Que ao menos a Noite

ninguém, rouxinol!,

ta queira roubar.

Rouxinol sem Noite

não pode viver.

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Soneto de António

António! dorme... Já se acabou a tosse.

Não mais ocultarás os teus soluços,

quando passarem rapazes

com os lábios vermelhos e saudáveis.

 

Dorme... Carlota vela à tua cabeceira.

("Ia tão seco o meu querido Menino!...

Mas toda a gente agora fala dele;

que foi um grande Poeta ou lá o que é").

 

Ouve António: sempre é verdade a Lua Nova?

E os Anjinhos? E a tua

Nossa Senhora linda?

 

- Diz-me que sim, mesmo se for mentira...

Eu acredito, eu acredito, António!,

e é por isso que vou vivendo ainda.

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O Menino Grande

Também eu, também eu.

joguei às escondidas, fiz baloiços,

tive bolas, berlindes, papagaios,

automóveis de corda, cavalinhos...

 

Depois cresci,

tornei-me do tamanho que hoje tenho;

os brinquedos perdi-os, os meus bibes

deixaram de servir-me.

Mas nem tudo se foi:

ficou-me,

dos tempos de menino

esta alegria ingénua

perante as coisas novas

e esta vontade de brincar.

 

Vida!,

não me venhas roubar o meu tesoiro:

não te importes que eu ria,

que eu salte como dantes.

E se eu riscar os muros

ou quebrar algum vidro

ralha, ralha comigo, mas de manso...

 

(Eu tinha um bibe azul...

Tinha berlindes,

tinha bolas, cavalos, papagaios...

A minha Mãe ralhava assim como quem beija...

E quantas vezes eu, só pra ouvi-la

ralhar, parti os vidros da janela

e desenhei bonecos na parede...)

 

Vida!, ralha também,

ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso,

como se fosse ainda a minha Mãe...

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Pequeno Poema

Quando eu nasci,

ficou tudo como estava.

 

Nem homens cortaram veias,

nem o Sol escureceu

nem houve estrelas a mais...

Somente,

esquecida das dores,

a minha Mãe sorriu e agradeceu.

 

Quando eu nasci,

não houve nada de novo

senão eu.

As nuvens não se espantaram,

não enlouqueceu ninguém...

 

para que o dia fosse enorme,

bastava

toda a ternura que olhava

nos olhos de minha mãe.

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Florbela

(em sua memória)

Sou eu, Florbela! Aquele que buscaste.

Falam de mim Teus versos de Menina.

Tua boca p'ra mim se abriu, divina,

mas foi só o Luar que Tu beijaste.

 

Hás-de voltar, Florbela!… Em débil haste,

por entre os trigos cresce, purpurina,

a mais fresca papoila da campina

que, só por me veres, não cortaste.

 

Eu tenho três mil anos: sou Poeta.

Surgi dos lábios secos dum asceta,

de uma oração que Deus deixou de parte.

 

Redimi tantos corpos, tantas vidas

neles vivi, que sinto já nascidas

asas com que subir para alcançar-Te

(…)

Arrábida, 6-11-1943

(«Revista Alentejana»)

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Poema da minha esperança

Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.

O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...

Tic-tac... Tic-tac...
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)

Tic-tac...
(Como eu rio, cá p'ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)

  Serra-Mãe  (1945)

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"Nasci para ser ignorante..."

Nasci para ser ignorante
mas os parentes teimaram
(e dali não arrancaram)
em fazer de mim estudante.

Que remédio? Obedeci.
Há já três lustros que estudo.
Aprender, aprendi tudo,
mas tudo desaprendi.

Perdi o nome às Estrelas,
aos nossos rios e aos de fora.
Confundo fauna com flora.
Atrapalham-me as parcelas.

Mas passo dias inteiros
a ver um rio passar.
Com aves e ondas do Mar
tenho amores verdadeiros.

Rebrilha sempre uma Estrela
por sobre o meu parapeito;
pois não sou eu que me deito
sem ter falado com ela.

Conheço mais de mil flores.
Elas conhecem-me a mim.
Só não sei como em latim
as crismaram os doutores.

No entanto sou promovido,
mal haja lugar aberto,
a mestre: julgam-me esperto,
inteligente e sabido.

O pior é se um director
espreita p'la fechadura:
lá se vai licenciatura
se ouve as lições do doutor.

Lá se vai o ordenado
de tuta-e-meia por mês.
Lá fico eu de uma vez
um Poeta desempregado.

Se me não lograr o fado
porém, com tais directores,
e de rios, aves e flores
somente for vigiado,

enquanto as aulas correrem
não sentirei calafrios,
que flores, aves e rios
ignorante é que me querem.

 Cabo da Boa Esperança, 2ª Ed.(1959)
 
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O Sol já se escondeu

O Sol já se escondeu...
Precisamente quando,
feliz,
eu desatei a cantar.
(Só por feliz eu cantei.)

Agora quero acabar,
que já me dói a garganta,
mas vou ainda cantando,
temendo
dar por mim de novo triste
assim que esteja calado.
(...Como se a minha Alegria
nascesse de eu ter cantado.)

 Serra-mãe, 2ªEd. (1957)
 

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